segunda-feira, agosto 29, 2005

O Animal Político

Normalmente designa-se Mário Soares como sendo um animal político alguns, mais exagerados, até o definem como o animal político.

Confesso que não gosto da expressão, mas também acho que ela assenta perfeitamente a Mário Soares, um ser que domina perfeitamente a selva da casta política.

Mário Soares mantém as qualidades e defeitos que o definem como pessoa e político e quanto a mim vejo-lhe mais defeitos do que qualidades.

Quando concorreu às primeiras eleições presidenciais a sua ânsia de poder e a sua ambição política e pessoal pôs fim a uma amizade pessoal e cumplicidade política de largos anos com Salgado Zenha. Na altura não votei em nenhum dos dois, pois optei por Lurdes Pintasilgo, mas não gostei do que vi. Na segunda volta fui obrigado a engolir o célebre sapo, mas dei a minha palavra de honra que, em circunstância alguma voltaria a fazer o mesmo.

Hoje o irrepetível parece estar a repetir-se, o denominador comum é o mesmo, Mário Soares, o outro factor é que variou, Manuel Alegre, mas a estratégia e ambições estão lá novamente, tal e qual como no tempo do duelo Soares-Zenha.

Mais do que votar em pessoas é preciso escolher projectos políticos e o de Mário Soares parece resumir-se à sua ambição pessoal. É esta a minha opinião.

Não votarei em Mário Soares em circunstância alguma, mesmo que numa eventual segunda volta as eleições se decidam entre ele e o candidato da direita (seja ele quem for), o tempo de engolir sapos acabou.

Nesta eventualidade a minha opção será pelo voto em branco ou nulo. A escolha do futuro presidente da república Portuguesa não é um jogo meus senhores e, como não é um jogo, não posso escolher irracionalmente, muito menos entre as duas faces da mesma moeda.

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Aos Poucos e Poucos cá vou Regressando

Meus amigos depois de uma ausência relativamente longa, à qual não é estranha a saturação de dois anos e tal a escrever banalidades pela blogosfera repartido por vários canais, eis que estou de regresso.

Melhor vou tentar regressar aos poucos e poucos.

Há promessas que não quero falhar, como por exemplo completar um artigo de introspecção pessoal que iniciei há já alguns meses atrás, Outra promessa que quero cumprir é o meu encontro com o amigo João Tunes do Água Lisa, que mais uma vez ficou adiado, não por culpa dele evidentemente, por por culpa minha que me quis afastar de tudo o que dissesse respeito à blogosfera, embora nunca tenha esquecido os seus escritos e as nossas trocas de opiniões, uma vezes concordantes outras nem tanto, ou até mesmo nada. Abraço João, a promessa não está esquecida.

Este meu regresso será mais comedido e a periodicidade com que escreverei banalidades por aqui será menor, não quero saturar-me novamente da blogosfera. Reduzo os meus blogues a 3: o "Acuso! 1", que passou a chamar-se "A Besta Humana" (sempre a inspiração do Zola), que será vocacionado para assuntos relacionados com a história ou destaques de artigos publicados no "Acuso!"; o "Acuso! 2", que passou a ser simplesmente "Acuso!" e será mais vocacionado para assuntos da actualidade; finalmente "A Chama do Dragão", que mantém o título e os objectivos. Os restantes irão desaparecendo naturalmente.

Pronto feitas as devidas actualizações vamos ao trabalho.

Um abraço a todos e em particular aos meus amigos e filho que foram esporadicamente escrevendo alguns artigos aqui, assim como a todos os que foram fazendo os seus comentários apesar da estagnação a que este blogues chegaram.

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domingo, agosto 28, 2005

Pergunta não muito Inocente

Alguém sabe se o Senhor Carlos Cruz já saldou as suas dívidas ao fisco?

Esta pergunta vem a propósito do seguinte: Aqui há alguns anos atrás o Sr Carlos Cruz, por pura ingenuidade, ficou a dever milhares ou milhões ao fisco, claro que não foi preso, nem provavelmente multado. Como é que o Senhor poderia pagar ao fisco se estava na miséria. Coitado. No entanto prometeu publicamente que não morreria sem pagar o último cêntimo da sua dívida. É um homem de bem e também de palavra.

Passado algum tempo e com a dívida por saldar, faz um casamento onde gasta balúrdios, pouco tempo depois acontece o famigerado caso "Casa Pia". A família passa mal, ficaram na miséria e a acrditar nas entrevistas dadas pela Senhora Raquel Cruz à imprensa cor-de-rosa só sobreviveram graças às ajudas dos amigos.

Entretanto o Senhor Carlos Cruz é libertado da prisão preventiva a que estava sujeito e aguarda o desfecho do julgamento em que é arguido. Esta semana essa mesma imprensa cor-de-rosa que tanto lhe tem dado a mão revela que o Senhor Carlos Cruz gastou 500 mil Euros para comprar uma casa de campo. Provavelmente graças aos seus amigos.

E a dívida ao fisco está saldada? Alguém sabe alguma coisa?

Por favor não insultem mais a inteligência das pessoas. Quanto ao julgamento "Casa Pia" não tenho inocentes nem culpados e aguardo serena e pacientemente o resultado do mesmo, mas quanto às dívidas ao fisco tenho muitas dúvidas da sua inocência e duvido seriamente que tenha saldado a dívida astronómica que tinha para com o Estado, isto é, para com todos nós.

Termino como comecei: Alguém sabe se o Senhor Carlos Cruz já saldou as suas dívidas ao fisco?

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quinta-feira, agosto 25, 2005

Pequena Fábula Portuguesa

Segundo parece, a partir de Setembro e por causa da gripe das aves, as galinhas portuguesas vão ter de ficar em casa. Teme-se uma diminuição drástica no número de mulheres a circular pelas ruas do país.

Pensando bem, o plano de contingência terá de ser muito mais abrangente e, quando nele forem incluídos as "aves raras", os pavões, os papagaios, os abutres e os "passarinhos totós", prevê-se o fim de todos os congestionamentos de trânsito, ficando apenas nas ruas os grandes porcos, as vacas, os burros, as bestas, as cavalgaduras, as mulas, as cabras, os cabrões e o resto da carneirada. Arranjaremos então planos contra a peste suína, a BSE, a febre equina e a brucelose e o país transformar-se-á num paraíso de tranquilidade!

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quinta-feira, agosto 18, 2005

Eugénio de Andrade

Poema - À memória de Eugénio de Andrade
de José Luís Peixoto


As palavras a assentarem sobre o silêncio. Cada uma das palavras a assentar sobre os objectos que nomeia e a envolvê-los. Existe em cada instante uma organização e uma tranquilidade da natureza. Ao mesmo tempo, cada palavra é a pedra de estátuas a olharem para séculos com os mesmos olhos que não vêm os jardins ou o musgo que lhes cobre a pele. Quando se passa um dedo pela página sente-se essa pele de pedra e de musgo. Mas existem também os gestos, brancos e necessários. É nesses gestos que nasce o vento. É esse vento, branco e necessário, que passa pelas palavras e que as veste novamente de silêncio para que cheguem novas palavras e sejam únicas.

Existe também uma mesa, uma cadeira e o corpo de um homem que faz parte dessa mesa e dessa cadeira. A constância da manhã é também o corpo desse homem germinal. O tempo está preparado para a explosão que existe dentro de si e que é uma ressurreição do próprio tempo. As palavras dizem esse milagre, mas não o explicam. O homem fica, a mesa e a cadeira, o homem fica, há também uma janela, o homem fica com esse milagre na palma da mão. Vê-o elevar-se até ao ponto mais infinito depois do céu. Aquilo que era mais importante ficou com o homem e com as palavras. Ninguém poderá chegar a esse momento em que o homem e as palavras se misturam. Ao contrário de todos os momentos do tempo, esse foi um momento imortal. E tudo o que era simples, tão simples, não pôde ser dito senão por metáforas. O homem olha para as metáforas que são como fumo, como árvores, e lembra-se da palavra proibida: amor. Existe qualquer coisa que está em todas as metáforas e que está dentro dessa palavra proibida. O homem vê o milagre subir para o céu, a combustão das palavras, as metáforas, o fumo, e lembra-se da vida, silêncio, pedra, musgo.

E tudo o que era simples, tão simples, uma única palavra proibida, escorreu com o sangue, fios de sangue a desenrolarem-se e a escorrerem pela cal. A manhã a atravessar o sangue que cobria a janela. A manhã a tocar o sangue que cobria a mesa e as páginas. Uma única palavra proibida. Um único milagre. E o silêncio, vento, a chegar como uma maré, como sal, como luz, e a cobrir cada objecto, e a anteceder as palavras que os envolvem. O homem esquece os braços e os olhos. A vida existe fora do seu corpo. O seu corpo existe fora do seu corpo. Nas palavras, o homem procura água. O homem vive, está vivo e encontra água. Os versos escorrem água. As letras são sonhos de água. O poema é um milagre, silêncio, séculos, pedra, tranquilidade, vento, uma mesa, uma janela, um homem, fumo, tempo, céu, amor, amor, amor, sangue, manhã, luz e água. O poema é um milagre, amor e água. Depois, cada palavra retira-se devagar dos objectos que nomeia. Depois, o silêncio.

Adeus
de Eugénio de Andrade


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

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sábado, agosto 13, 2005

A valsinha das medalhas



No próximo dia 14, os U2 vão ser condecorados por Jorge Sampaio com a Ordem da Liberdade.

Os membros do grupo confessam-se orgulhosos desta distinção que ainda não foi atribuida sequer a metade dos portugueses mas mostraram-se um pouco tristes por esta não lhes ter sido concedida no célebre certame "Beija-mão do 10 de Junho".
Para consolar estes nossos novos comendadores sempre lhes digo que a receberão no dia 14 de Agosto, dia da batalha de Aljubarrota, data memorável que fez com que ainda hoje não tenhamos de comer pão espanhol, possamos beber um café de jeito, não tenhamos centrais nucleares nem salários que comprem alguma coisa que se veja.
Sempre pensei que a banda a agraciar neste dia fosse a Ala dos Namorados e que a condecoração seria a Ordem da Padeira mas, amigo da pândega como é, Jorge Sampaio não pára de nos surpreender.

Eh, eh, ganda maluco!!!

(Publicado in Mug Music em 12-08-2005)

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quinta-feira, agosto 11, 2005

Eugénio de Andrade

Já o irmão mais velho da protagonista do post anterior, tem mais jeito para decorar poemas através da música. Felizmente, houve quem tivesse musicado Eugénio de Andrade. Aqui vai: "Lisboa". Letra: Eugénio de Andrade, Música: Trovante in Baile nos Bosques.

alguém diz com lentidão
Lisboa sabes, eu sei
é uma rapariga descalça e leve
o vento súbito e claro
nos cabelos
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos
a solidão aberta nos lábios e nos dedos
descendo degraus, degraus e degraus
até ao rio

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