sábado, janeiro 14, 2006

Presidenciais 2006

Espelho, espelho meu...

Ontem fui ver o filme King Kong, interessante filme e não só pela qualidade dos efeitos especiais.

Neste filme e a dada altura, um dos personagens, escritor, faz o seguinte comentário a propósito de um actor hollywoodesco: "os actores viajam por muito lado, correm mundo, mas a única coisa que vêm é a sua imagem projectada no espelho".

Tal afirmação encaixa perfeitamente na maioria dos políticos da nossa praça.

Agora que se iniciou oficialmente a campanha eleitoral e os candidatos estão perfeitamente definidos, chegou a hora de fazer o meu pequeno comentário. Simples, como deve ser o de alguém que tem um caminho, mas gosta de perceber os caminhos dos outros.

Nesta campanha temos três lados. Um o da direita, perfeitamente definido, silencioso, submisso em torno do seu chefe. À espera do tempo das vacas gordas. Este bloco é liderado, como não podia deixar de ser, por Cavaco Silva. O candidato que nunca se engana e raramente tem dúvidas e que agora foi elevado à categoria divina por Valente de Oliveira que afirmou que é o candidato que tudo sabe, que tudo vê, que tudo... O candidato, que só diz o que as pessoas querem ouvir, cuja esposa submissa caminha nas suas costas, omnisciente e omnipresente, se não é deus deve ser no mínimo o big brother. Acabado de nascer, impoluto, virginal, imaculado, branco, este é o candidato sem passado e que só diz o que o povo quer ouvir, por mais primário que seja. A direita tem o seu candidato, pelo menos até à vitória (se vier a acontecer), depois se perder vai ser engraçado ver quem assume as responsabilidades, ou se ganhar quem vai querer ficar com os louros.

Ao "centro" temos o candidato que é da direita, do centro ou da esquerda conforme está mais perto ou mais longe da área do poder. É o senhor contradição, politíco politiqueiro, ou como outros, mais educados, lhe chamam: o animal político. Eis Mário Soares. Não hesita em usar os amigos, como também não hesita em virar-lhes as costas quando estes não servem as suas, ou ao seu clã, vaidades. Não é deus, nem rei, porque se diz republicano, ou será mais uma das suas contradições? Demagogo e homem de palavras fortes, caracteriza-se mais por acções fracas, mais de acordo com a sua demagogia do que com as suas palavras. Continua ainda a viver à sombra da capa do pai, velho republicano, capa essa que por mais que se estique já não chega para o seu filho. Soares precisa da "política" como qualquer um de nós, vulgar mortal, precisa de respirar e de se alimentar. No entanto temos que lhe fazer justiça, mesmo que não se goste do homem (e eu não gosto), desempenhou um papel importantíssimo na História recente de Portugal, o qual se arrisca a ficar manchado devido á sua teimosia e vaidade pessoal, ou será que é do seu clã?

À esquerda temos mais quatro candidatos: Manuel Alegre, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa e Garcia Pereira.

Quatro (ou se quisermos cinco, que eu aqui até incluo o outro, o de cima) personalidades diferentes, com passados diferentes, mas que têm em comum os valores, retórica e dialética da esquerda, assim como uma passado de luta contra a ditadura. No passado não viraram a cara à luta e não hesitaram em denunciar a prepotência e a falta de liberdade, não se esconderam, não se calaram, e por isso sofreram as consequências, mas não desistiram.

Alegre, o poeta, é um homem de fortes convicções e princípios, mas também um pouco narcísico, característica que lhe advém da sua qualidade de poeta. Sendo um homem de cultura, muitas vezes as suas ideias políticas parecem ficar no limbo que existe entre o real e o ideal. É, a meu ver, o candidato da utopia e, se não fosse por mais nada, já tinha por essa razão a minha consideração e respeito. Como dizia outro poeta: sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança.

Francisco Louçã é um homem claro nas ideias, mas que precisava de passar pelo poder para que pudessemos aferir das suas reais capacidades de governação e verificar como conseguiria pôr em prática as excelentes ideias e princípios que defende em teoria. Tem aquele ar de seminarista ao qual não consegue escapar, mas que se esforça por desmentir sempre que sobre tal é questionado. Hoje Manuel Alegre chamou-lhe, com uma certa piada, um Cavaco virado do avesso. É alguém com um enorme potencial à espera da oportunidade de provar do que é capaz. Merece que nos dispamos de preconceitos e que finalmente lhe seja dada essa oportunidade.

Jerónimo de Sousa, o candidato operário. Simpático, direi até mesmo popular, mas a sua campanha presidencial não existe. Sabe que nunca lhe será dada essa responsabilidade, por isso está na campanha para tentar dar outra imagem do seu partido, até porque, na óptica marxista-leninista pura, cada eleição é mais um campo de batalha para prestar um serviço ao partido e servir interesses estratégicos mesmo que, como dizia Lenine, agora possamos dar um passo atrás para mais tarde dar dois em frente.

Garcia Pereira, o homem que nunca desiste de afirmar as suas convicções. Se não fosse por mais nada, pelo menos por isso Garcia Pereira merece a minha simpatia. Sem apoios, sem máquina, por carolice e por vontade política, lá vai o candidato tentando fazer passar a sua mensagem. Não conheço muito mais dele para além das suas fugazes aparições nas campanhas eleitorais e do seu passado pós 25 de Abril de militante maoísta, no entanto, justiça lhe seja feita, adaptou-se sem descartar as suas convicções ao contrário de outros como Durão Barroso ou Pacheco Pereira, pequeno-burgueses de origem, fizeram o percurso tradicional: revolucionários na juventude e conservadores na maturidade. Até parece que ser-se revolucionário é sinónimo de imaturidade, bem, pelo menos na cabeças daqueles senhores é.

É minha convicção que não são valorizadas nos candidatos presidenciais as suas ideias e convicções, mas muito mais os mitos e aparelhos partidários que estão por trás deles, por isso o voto é muitas vezes eivado de preconceito, consciente ou inconscientemente, e nenhum de nós escapa a este estigma. Aqui talvez o candidato que escape mais a esta análise deva ser Manuel Alegre, mas nem ele está livre desse julgamento preconceituoso.

E agora para encerrar que este post já vai longo. Na campanha poucas ideias têm sido discutidas, pois para além de ataques pessoais, mais ou menos dramáticos, ou de um ou outro assunto, que por variadas razões se encontra na ordem do dia, não se fala do desemprego, da justiça, das forças armadas, fiscalidade, etc.

Uma nota também muito negativa em relação ao PS. Ao envolver-se demasiado na campanha ao lado do seu candidato, está a fechar portas e a abrir brechas de instabilidade governativa (não é que não a mereça) caso o candidato eleito seja outro e não aquele que tão fervorosamente apoiam.

Por fim, apesar do voto ser secreto, quero deixar claras as minhas opções. Estou convencido de que o País precisa de uma segunda volta, para que a escolha do Presidente da República seja clara e não um mero artifício. Só com uma segunda volta os candidatos serão confrontados e se confrontarão com os reais problemas do País e não ficarão à espera que os jornalistas lhes façam as perguntas às quais não querem responder, mas que agora serão obrigados a fazê-lo, pois um deles será Presidente. Estou convencido que passarão à segunda volta o candidato da direita Cavaco Silva (crónica de uma vitória, ou semi-vitória anunciada ou fabricada) e o candidato da esquerda Manuel Alegre, por isso votarei Francisco Louçã na primeira volta e Manuel Alegre na segunda, caso seja este o candidato de esquerda. No entanto admito, sem qualquer relutância, alterar logo à primeira volta o meu sentido de voto, neste sentido a minha opção poderá ser logo à partida o voto em Manuel Alegre, para tanto basta, que durante a semana que vai decorrer, fique convencido que o candidato da utopia precise de todos os votos para passar à segunda. Neste caso o meu voto será, logo à primeira, Manuel Alegre.

Já aqui afirmei em artigo anterior que, caso a segunda volta seja entre Cavaco Silva e Mário Soares, não votarei em nenhum e, neste cenário o meu voto será branco ou nulo. Podem acusar-me de não ter cultura de esquerda, mas sapos já engoli uma vez e apanhei uma indigestão, por isso sapos nunca mais.

NOTA: A ordem porque são apresentados os candidatos não tem qualquer significado valorativo dos mesmos.

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