domingo, abril 03, 2005

Crónica de uma Morte Anunciada

Esteve pensado para aqui um artigo a propósito deste título, entretanto os acontecimentos precipitaram-se e perderam a actualidade. No entanto há que reflectir um pouco.

A verdade é que ninguém pode ficar indiferente à morte do Papa, sejam católicos, cristãos, crentes em outras confissões religiosas não cristãs (judeus, muçulmanos, budistas, hindus, etc), agnósticos ou ateus (que como sabem é o meu caso).

João Paulo II, cujo pontificado durou 26 anos, um dos mais longos da História, deixou a sua marca profunda no rumo da História do século XX, quer no melhor quer no pior. No melhor saliente-se o seu contributo para o derrube do Muro de Berlim e de tudo o que ele significava,a condenação do neo-liberalismo e das guerras por si geradas ou a aproximação que tentou entre as diversas confissões religiosas, embora aqui tenha deixado de parte os que ou não têm qualquer confissão religiosa, ou têm uma interpretação muito especial e pessoal da existência de um ser divino ou superior.

De negativo deixou o seu conservadorismo teológico, nomeadamente no que diz respeito à mulher e ao seu acesso ao sacerdócio, ao fim do celibato dos padres católicos, entre outras coisas, como por exemplo a condenação da homossexualidade ou do uso de preservativo. Já não falo na luta contra o aborto, porque isso é uma questão pessoal relacionada com o direito à vida e, portanto, com as diferentes concepções do momento em que existe de facto vida. No entanto não posso deixar de condenar que a Igreja Católica, e não só, queira impor esse princípio a quem não o é, que por isso tem direito ao livre arbítrio, que lhe é sistematicamente negado como se de um crime se tratasse. Não pertendo impor uma ou outra coisa, mas quero ter o direito de optar. Para quem se preocupa tanto com a gestação de uma vida, parece preocupar-se pouco com o modo, ou qualidade, em que essa vida se vai desenvolver, mas como digo isso é um assunto pessoal e deve ser dada liberdade de escolha, não porque considere que o aborto seja um anti-conceptivo, mas porque é necessária uma formação para que os jovens, e não só, não sejam obrigados a recorrer ao trauma do aborto e suportar condenação jutídica e social de tal prática. O aborto deve ser sempre o último recurso e tudo deve ser feito para que ele não seja necessário, agora não se pode condenar o aborto e abolir os meios para o evitar, os quais passamsobretudo por uma educação sexual eficaz e alargada, sem tabús, preconceitos ou estigmas sociais ou religiosos.

Nestas, como em outras questões João Paulo II foi um homem de contradições.

os últimos cerca de 60 anos do século passado o Mundo conheceu cinco Papas. Pio XII (1939-1958), ultra-consevador e retrógado, que tentou esconder, enquanto pode o Holocausto Nazi, com o argumento de que a sua denúncia em nada contribuiria para a evolução dos acontecimentos; João XXIII (1958-1963), um Papa já de avançada idade e que ninguém esperava que viesse a abalar o catolicismo e a criar uma nova esperança através do Concílio Vaticano II; Paulo VI (1963-1978), o Papa da fusão, ou melhor o Papa que, embora fiel ao Concílio Vaticano II (que encerrou) tentou conciliar a corrente mais progressista da Igreja com a mais conservadora; João Paulo I (1978), o Papa surpresa, a Igreja tremeu perante a ameaça de um novo abalo na instituição e o seu pontificado só durou 33 dias (número mágico para os católicos) cujas circunstâncias da sua morte nunca foram esclarecidas: finalmente João Paulo II (1978-2005), o Papa peregrino, que, como já foi dito, conjugou um extremo conservadorismo teológico com uma visão corajosa e realista da política mundial, criando um dilema em relação ao futuro e à evolução da Igreja Católica.

O próximo Papa não pode ser como nenhum dos seus antecessores, tem que compreender as alterações que entretanto se deram no Mundo e ter a coragem de enfrentar, com medidas extremas se necessário, os poderosos do mundo (sejam eles quem forem), desde o terrorismo ao poder político, passando pelo poder económico e judicial. Terá que mostrar uma grande abertura e universalismo, em resumo terá que ser um conciliador entre todos os crentes (sejam de que confissão forem) e os não crentes.

Terá que saber distinguir perfeitamente o poder político e económico do poder religioso e, sobretudo terá que ter a coragem para enfentar os inimigos internos. A não ser assim, tudo continuará como dantes, ou melhor tudo piorará, porque hoje em dia estar parado é estar a andar para trás.

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