segunda-feira, junho 13, 2005

A Morte Sai À Rua Em Dias Assim

Mais três personalidades da política e das letras portugueses morreram nastes dias. Há dois dias foi o General Vasco Gonçalves, hoje Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade.

Todos são personalidades incontornáveis da História Política e da Cultura Portuguesas. As suas personalidades são e foram polémicas, uns mais do outros, isto é os que sobressaíram pela sua actividade política (Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves) mais do que Eugénio de Andrade, mas também mais efémeros.

A vida dos dois primeiros e os requiens que tenho ouvido na rádio nas últimas horas denotam uma verdade inquestionável: é difil avalizar friamente a vida e obra dos que nos são contemporâneos, falta-nos o distanciamento que possibilitaria uma análise mais objectiva. Partindo deste pressuposto qualquer comentário antes de ser feito deve deve ter em atenção as opiniões e posições dos respectivos autores. Por isso cá vão as minhas:

Não sou comunista, nunca militei no Partido Comunista, mas não tenho qualquer preconceito em relação aos comunistas e aos militantes do Partido Comunista, por isso a minha opinião é, nesta matéria, equidistante.

Outro dos problemas graves quando se analisa o percurso político de uma personalidade é a tend~encia para o anacronismo histórico, isto é, analasá-la à luz da nossa própria mentalidade ignorando as transformações que, a este nível, se processaram numa ou duas gerações, particularmente no que diz respeito ao século XX.

Depois deste longo preâmbulo a minha opinião tem de ser necessariamente curta, pois praticamente está tudo dito.

Comecemos por Vasco Gonçalves, uma vez que o seu falecimento já se deu há dois dias. Foi uma personalidade controversa e estigmatizada, do ponto de vista político, no pós 25 de Abril. Foi um homem do seu tempo devidamente enquadrado com a realidade que se vivia de um mundo ainda a preto e branco, agiu de acordo com as suas próprias convicções e por isso foi, é ainda hoje, idolatrado ou odiado, muito se diz a seu respeito sem o devido conhecimento das suas acções durante o PREC. Não fui um dos seus admiradores incondicionais mas reconheço-lhe qualidades que tornaram inevitável a sua ascensão. Um homem é o que é pelo que faz ou pelo que deixa fazer e Vasco Gonçalves nunca conseguiu fugir à lógica do seu tempo e teve dificuldade em se aperceber das transformações que se davam a uma velocidade vertiginosa.

As últimas palavras quase que se aplicam na íntegra a Álvaro Cunhal, com a excepção de que Cunhal ultrapassa largamente as fronteiras nacionais. Curiosa esta coincidência do mentor morreu dois dias após o falecimento do seu pupilo. Podemos dividir a acção de Álvaro cunhal em duas partes distintas de um tronco comum. Antes do 25 de Abril foi um dos que mais se distinguiu na luta contra o salazarismo e o Estado Novo. Quando muitos, digo mesmo, a maioria, não mexeu uma palha para derrubar a ditadura salazarista, quando outros não chegaram a abandonar o conforto das suas casas ou da sua condição social, outros ainda foram opositores de pacotilha porque era de bom tom, Cunhal e os comunistas em geral e mais uns poucos, muito poucos, deram couro e cabelo na luta contra o ditadura. Esse punhado de homens corajosos e/ou idealistas merecem todo o nosso (o meu pelo menos merece) respeito e consideração. Muitos deles pagaram com a própria vida, a saúde, o degredo e a marginalização a ousadia de dizer basta, a ousadia de dizer não. Mas lá dizia o poeta: "não há machado que corte a raiz ao pensamento".

Como àparte que ilustra o que disse anteriormente, lembro-me muito bem, quando ainda jovem estudante liceal participando em manifestações contra o regime na baixa do Porto, vi muitos jovens como eu (e não só) serem espancados pela polícia de choque à porta das lojas de comerciantes que indiferentes, quando não até incentivando a acção da polícia os impediam de se refugiarem da sanha persecutória de um regime caduco e injusto que negava o direito à liberdade de opinião. Muitos desses comerciantes transformaram-se repentinamenete em fervorosos defensores da democracia, mas mantiveram sempre nos seus baús o retrato de Salazar. A cobardiateve o seu prémio.

Após o 25 de Abril a personalidade de Álvaro Cunhal manteve-se inalterável e aqui talvez a sua pior faceta, para além das depurações que levou a cabo no interior do partido no período anterior à revolução de Abril. nesta fase o seu percurso é paralelo ou convergente com o de Vasco Gonçalves.

Ambos foram homens que viveram uma época que já não existe, á qual sobreviveram, que não souberam adaptar-se nem tiveram a maleabilidade intelectual para a perceber. Cristalizaram tal como os Partidos Comunistas e, por isso, a solidez das suas ideias acabou por ser mais prejudicial do que benéfica para a evolução política do nosso País. Não se pense com isto que dou razão aos seus detractores, porque ambos são as duas faces de uma mesma moeda.

Nenhum deles, Álvaro Cunhal ou Vasco Gonçalves, devem ser idolatrados, mas no mínimo merecem o nosso respeito porque não hesitaram quando muitos se mantiveram indiferentes.

Eugénio de Andrade foi uma personalidade de outra dimensão, direi mesmo mais, foi, ou melhor é, um poeta universal, um dos maiores vultos da poesia contemporânea mundial. Eugénio de Andrade é um poeta que não se define, porque é simplesmente um poeta.

Com a morte destes três vultos e por razões obviamente diferentes, morreu também com eles uma parcela do século XX.


5 Comments:

Blogger Mário Monteiro said...

Obrigado António pelo belíssimo poema de Eugénio de Andrade que nos deixaste para homenagear o próprio.

6/13/2005 3:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um poeta não morre e, os outros dois, são História, pelo que é assim que têm de ser respeitados. Abraço, IO.

6/13/2005 7:19 da tarde  
Blogger Mário Monteiro said...

Exactamente IO e mais nada

6/14/2005 6:11 da manhã  
Blogger th said...

Amigo Werewolf chegada ao Porto, ontem mesmo passei pela Estação de S. Bento e...lá está a locomotiva em miniatura de que falou há tempos.
Penso amanhã colocar fotos aqui.Abraço, th

6/21/2005 10:02 da manhã  
Blogger Mário Monteiro said...

Obrigado Th, a tua observaçao só mostra quão desatento tenho andado nos últimos tempos e também o facto de já há muito n entrar na Estação de S. Bento, o que pelo menos para visitar é imperdoável?

6/23/2005 5:50 da manhã  

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