segunda-feira, setembro 20, 2004

Nós

- Isso é impensável - respondi, sobressaltado. - É absurdo. Não vês que estás a preparar uma revolução?

- Uma revolução, sim. Mas porquê absurdo?

- É absurdo porque não pode haver revolução nenhuma. Porque a nossa revolução - sou eu que o digo e não tu - foi a última. Não pode haver mais nenhuma revolução. Toda a gente sabe que...

- Meu menino, tu és matemático - tornou-me ela, fazendo com o sobrolho ângulos agudos de escárnio. - És até mais, és filósofo-matemático. Vamos: diz-me o último número.

- Que é isso? Não... Não percebo. Qual último número?

- Ora essa! O último, o supremo, o maior de todos os números.

- Isso é absurdo. Se o número dos números é infinito, que número é que tu queres que seja o último?

- E que revolução é essa que tu dizes que é a última? Não há última revolução. As revoluções são infinitas em número. A última revolução é coisa de crianças. O infinito assusta as crianças e é necessário que de noite tenham um sono descansado...

Ievgueni Zamiatine, Nós


1 Comments:

Blogger Mário Monteiro said...

Gostei particularmente deste texto.

9/21/2004 12:30 da manhã  

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