quinta-feira, junho 30, 2005

A Morte do Combatente Guerreiro

Morreu ontem Emídio Guerreiro, tinha 105 anos carregados de juventude e lucidez. Emídio Guerreiro foi um dos vultos mais marcantes da História de Portugal do século passado.

Homem coerente e grande combatente da liberdade, sem ambições pessoais para além da santa liberdade, grande cavaleiro da utopia.

Muitos que nós agora louvamos pelo seu passado de luta anti-fascista perderam-se em combates estéreis de luta pelo poder dentro dos seus próprios partidos, agentes activos de depurações e perseguições, de intrigas e calúnias. O tempo apaga estes "pequenos" desvios de homens considerados "grandes". Por muito que nos custe não podemos mascarar ou apagar os defeitos daqueles que foram, por muitos, considerados "grandes" e até o foram, pois na noite mais longa não hesitaram em hipotecar uma vida de conforto por outra de activa militância anti-fascista.

Pequeno e franzino de corpo, este foi um Homem Enorme, nunca virou a cara à luta fosse em Portugal contra a ditadura salazarista, fosse em Espanha contra o franquismo ou em França contra a ocupação nazi. Foi essencialmente um homem de acção, desprendido de ambições pessoais e lutador da causa nobre da liberdade, lá onde ela estivesse ameaçada. Internacionalista assumido a sua luta não se limitou a um patriotismo parolo e ultrapassou largamente as fronteiras deste nosso rectângulo. Não hesitou em pegar em armas quando as portas do diálogo e da racionalidade se fecharam e, sobre a Europa, se abateu o manto escuro das ditaduras.

Não era um homem perfeito, ainda bem, porque só aqueles que reconhecem a sua própria imperfeição são capazes de se transformar e ajudar a transformar os outros, ao contrário daqueles que se acham donos da verdade, homens como Emídio Guerreiro relativizam constantemente em partem sempre em busca de mais e melhor, não cristalizam debaixo de um edifício arquitectonicamente perfeito, mas cuja rigidez estrutural o leva, inevitavelmente à derrocada. Emídio Guerreiro manteve-se fiel à filosofia, não à ideologia. A ideologia rapidamente se transforma no espartilho do livre pensamento, a ideologia é castradora. O livre pensador, ou o pedreiro livre (já que estamos a falar de Emídio Guerreiro), faz da vida uma busca constante, pontos de partida, não de chegada.

Morreu Emídio Guerreiro, cavaleiro da utopia, maçon e, como diria Almada Negreiros (mesmo que descontextualizado) basta!

Morreu Emídio Guerreiro um homem que mantém na morte a mesma coerência e frontalidade que desenhou em vida. São homens assim que da lei da morte se vão libertando.

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