quinta-feira, junho 23, 2005

A Oportunidade Perdida

O meu amigo de longos anos António faz, no post anterior, um dos seus habituais ataques à função pública em geral e particulariza algumas das situações nomeadamente no que diz respeito ao ensino, ora como é a situação que conheço melhor, por isso aproveito o seu artigo como motivação extra para o que já tencionava escrever a este propósito.

Em primeiro lugar concordo completamente que há na função pública autênticos privilégios em relação à restante classe trabalhadora e, evidentemente que a origem desta bagunçada já vem desde o salazarismo belorento, mas ainda não totalmente enterrado, quando se pretendia uma função pública agradecida, obediente e acéfala, aliás como o resto do país.

Por isso se criaram determinados privilégios e foram concedidas determinadas regalias que transformavam um simples amunuense num pequeno reizinho, de um reino de fantasia entenda-se, atrás do seu balcão na mais recôndita das repartições. Quem se lembra que nos nesse tempo os funcionários públicos não pagavam impostos, sendo argumentado que em troca recebiam menos do que o equivalente na função privada, mas que ganhavam em segurança no trabalho e, porque é que o Estado devia cobrar ir buscar dinheiro que saía dos seus próprios bolsos, diziam, então pagava-se logo menos à partida.

Não havia por esse país fora rapazinho que tivesse a 4ª classe, o segundo pu 5º anos do Liceu, ou ainda curso da Escola Técnica que não sonhasse com um lugarzito numa qualquer repartição de finanças, então se fosse numa grande cidade ainda melhor, só isso já era considerado uma promoção e na terra passavam a ser vistos com outros olhos: "Olha lá vem o Manel de férias vamos ver quais as novidades que nos traz de Lisboa/Porto, que aventuras mirabolantes por lá terá vivido... etc. etc.". De chapéu na mão e olhos no chão, muito pai foi mendigar ao senhor doutor lá da terra, sim ao tal senhor doutor que lá em Lisboa privava com os senhores ministros (e não é que havia pelo menos um em todas as terra, mas que coincidência).

Aliás dizia-se, ninguém pretendia um trabalho, mas sim um emprego e ser funcionário público, que para além de um emprego era também uma missão, mas dizia, ser funcinário público era pertencer ao Estado e o Estado tem muito poder. Quem é que não pretendia ter poder e exercê-lo à custa da ignorância dos outros e usar a sua prepotenciazinha de vidas mal vividas e de recalcamentos escondidos.

Deste modo o regime garantiu famílias e gerações obedientes enquantos os outros, os que não obedeciam andavam a apanhar uns simples tabefes da pide, essa grande e paternal instituição que só queria o bem de todos, mas que às vezes tinha de dar uns tabefes nuns tipos mal educados que andavan para aí a fazer barulho e a estragar a vidinha a todos. Também eras esses estupores de "comunistas" ou lá o que isso é, uns desgraçados que nem tinham nde cair mortos, uns borra-botas, que tinha de ser postos na linha porque andavam a estragar a nossa alegre e pacata vidinha, cujo bem-estar era a cobiça do mundo. E como não é por nós, é contra nós, todos esses tipos do reviralho não passavam de uns marginais "comunistas" que era preciso meter na linha, por isso a obrigação de todo o bom português chefe de família era denunciar onde esses "criminosos" se acoitavam, para libertar o país das ervas daninhas e devolver a pureza e os valores tradicionais a que todos (menos os ditos "comunistas") tinhamos direito. E quantos bufos por aí havia... tantos, tantos que nem imaginamos quantos.

É evidente que quatro ou cinco gerações a viver sobre o manto de um regime assim cria raízes muito profundas, tão profundas que para se libertar deste estigma vão ser precisas, muito provavelmente, o dobro das gerações.

Isto das p+alavras é um bico de obra, são como os cerejas, e quantas cerejas se deitam para o lixo todos os anos. Tudo isto porque de um artigo simples, onde pretendia falar simplesmente da recente greve dos professores, profissão à qual me orgulho de pertencer, acabei por me deixar embalar pelas palavras e tecer considerações mais ou menos latas da mentalidade portuguesa. Se ainda for a tempo, vou então regressar á ideia original deste artigo.

Esta dicotimia função pública e função privada, de que o meu amigo António costuma fazer alarde, em que uns são a fonte de todos os vícios e outros de todas as virtudes não faz sentido. Eu sei que estou a exagerar e que o meu amigo não partilha exactamente dessa opinião, mas é o que dá a entender quando escreve sobre o assunto, por isso este longo preâmbulo que à partida não estava pensado.

As generalizações são perigosas, mesmo que se parta do princípio que a maioria é assim, pois a maioria não é toda a gente e eu abomino a unicidade, talvez devido à minha formação libertária e anarco-sindicalista com a qual me começo a rever cada vez mais próximo. É o regresso às origens dos tempos de juventude, talvez agora mais maduro, seja lá o que isso for.

Outra pessoa que muito prezo, MST (e não é por ser portista, porque a fé não é para aqui chamada), teceu recentemente considerações sobre os professores e o ensino, apresentou números esmagadores, esqueceu-se de dizer que a maioria (está bem, não a totalidade) dos professores tem consciência do que está mal no ensino, da mesma forma como os médicos têm essa consciência em relação à saúde, os advogados e juízes em relação à justiça, etc. O problema é que os dados apresentados são usados de forma demagógica, consciente ou inconscientemente e, por isso deturpam a realidade, porque os dados podem dizer isso tudo, mas não mostram nem comparam a realidade das escolas portuguesas com a das escolas europeias (e não se pense que aqui não há problemas). No entanto estou de acordo com o ponto fundamental dessas estatisticas apresentadas, o esbanjamento, o desperdício que se faz dos dinheiros públicos, e aqui os principais responsáveis não são os profossionais, mas sim os que ao longo dos anos tem dado sustentação a esta realidade. As estatísticas são números que não podem ser interpretados de forma leviana e muito menos demagógica, quem é que não se lembra da história da galinha e dos dois homens, só um é que a comeu, mas estatisticamente cada um comeu meia galinha.

Acusam muitas vezes os professores de só se preocuparem com reivindicações salariais, o que não é verdade, nem para os professores nem para os sindicatos que os representam. Mas então que dizer de um Governo (este e os outros, mas agora é este que está a ser monotorizado) cujas soluções evidenciam que a preocupação com a qualidade do ensino é zero, pois as únicas medidas apresentadas são todas de carácter financeiro e economicista, fazendo cortes cegos e desajustados, poupa-se no farelo e esbanja-se na farinha. Sentemo-nos a uma mesa e discutamos seriamente os problemas que afectam a qualidade do ensino, não façamos demagogia.

A propósito de cortes e poupanças ainda estou para ver quem é que vai pagar a factura dos tais 20 milhões desperdiçados no concurso de professores relativo ao arranque do ano lectivo que agora está a findar. Responsáveis políticos (ministros, secretários de estado, funcionários superiores) lesaram o Estado em milhões e, até hoje, não vi qualquer condenação, ou melhor vi: as vítimas é que foram culpadas e por isso são elas que irão pagar a factura da irresponsabilidade e incompetência de outros.

Finalmente cá estamos na Greve dos Professores.

Os referidos atrasos no início do ano lectivo levaram a que muitos solicitassem que o início dos exames do 9.º anos fossem adiados para o próximo ano lectivo. Argumentou-se, entre outras motivos, o facto de as matérias a avaliar serem relativas a um ciclo de 3 anos e, devido à extensão e má organização dos curriculos de algumas disciplinas, aliada a alguma má planificação e ainda às constantes mudanças de professores, fazem do 9.º anos um ano particularmente penoso, pois os professores que o leccionem, que muitas vezes (para não dizer maioritariamente, sempre a estatística) não acompanharam os alunos desde o 7.º ano, têm de recuperar o atraso dos anos anteriores, tornou complicada a eficácia do presente ano lectivo, como para o ano este atraso inicial que afectou o cumprimento dos programas do 8.º ano comlicará a conclusão do curriculo de muitas disciplinas, sobretudo tendo em atenção que muitos dos professores serão deslocados para outras escolas e, por isso deixarão de ter essa responsabilidade para assumir a de outros. Como se vê o problema não é linear nem de solução fácil, por isso não arranjem soluções simplestas.

Continuando, As associações profissionais e sindicais, bem como as dos encarregados de educação alertaram o Ministério da Educação (este e o outro) para o facto e sugeriram que os exames deviam ser anulados no presente ano lectivo e só iniciado no próximo. Uma vez que se manteve a intransigência dos sucessivos ministérios e que as férias estão aí à porta as associações de pais mudam radicalmente de posição e argumentam que não queriam que os exames se realizassem no presente ano lectivo, mas uma vez que se realizam então os professores (leia-se os malvados e repare-se nas coincidências com a parte inicial deste artigo) é que são responsáveis pelos eventuais traumas causados aos meninos (entenda-se ao atraso nas férias dos pais - aqueles que ainda podem ter férias, lá está a estatística, sempre a maldita estatística). mais uma vez me vem á memória uma história: era uma vez um cão que foi vítima de uma pedrada lançada por um homem, em vez de morder o homem, mordeu a pedra.

O ministério apela para o espírito de missão dos professores (e logo eu que sou um desses malvados que até nem tem fé), mas para esse estejam descansados que há sempre a ameaça de uma requisição civil, ou dos serviços mínimos, ou dumas coisas assim esquisitas e confusas que nunca ninguém percebeu muito bem, mas que também ninguém quis explicar devidamente porque interessava que ficasse sempre no ar a ameaça de falta injustificada.

Agora que estamos no último dia de greve regional (coisa esquisita esta também, ou se faz greve ou não se faz, mas enfim não é a mim que me compete decidir estas coisas, mas na abdico de as criticr) a inevitável guerra dos números. Para os Sindicatos fizeram (ou estão a fazer) greve 66% dos professores, para o Governo 0,066%. Bolas vejam lá se começam a apresentar uns núros mais próximos em que, por exemplo, a difernça seja só de 50%. A verdade é que a opinião pública e os média praticamente só valorizaram o número de exames que se fizeram ou não, esquecendo que estavam muitos, mas muitos mais professores envovidos noutras actividade, principalmente nas escolas EB 2,3 cujas aulas ainda não terminaram, com excepção das do 9.º ano, nas EB 1 e nos Jardins de Infância. Mas atenção o Ministério fez chegar uma circular de última hora dispensando as escolas das restantes actividades durante este período (atenção MST, mais uns dias a abater na sua contabilidade do período de actividade dos professores, vamos lá a abater estes três dias que nós não queremos ficar beneficiados), curiosamente esta dádiva de última hora foi esmagadoramente rejeitada pelos professores que se mantiveram suas actividades antecipadamente programadas, ultrapassando em muito as suas horas lectivas, faltando, é certo, no dia em que esteve marcada a greve na sua região, mas ninguém fala, ao contrário dos outros que falam, falam e... niguém entende nada. Ou será que entendem?


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